Ipiranga dos Sonhos

Foto: arquivo pessoal

Na Ipiranga dos Sonhos podíamos sonhar ser The Beatles; Pelé; Frank Sinatra; Tostão; Fred Flintstone; The Carpenters; Queen; Tony Bennett; Marilyn Monroe; David Gates; Wanderléa; Fred Astaire; Sophia Loren; The Jetsons; Secos e Molhados; Jackson 5; Terra de Gigantes; Elvis Presley; Roberto e Erasmo; Neil Armstrong; Ronnie Von; Albert Einstein; Martinha; Sigmund Freud; Mahatma Gandhi; Sua Santidade o Papa; Tom e Vinícius; Martin Luther King; Jeannie é um Gênio; Muhammad Ali; Perdidos no Espaço; Elis Regina; Daniel Boone… Nesse encantador ‘Lost Horizon’ flutuavam os nossos mais puros imaginários.

Entretanto, a verdade é que os nossos Kichutes; Bambas; Congas e as nossas bolas Dente de Leite duravam pouco. Ora bolas! Num piscar de olhos lá estávamos eufóricos para mais uma pelada de rua ou nas sempre eletrizantes partidas de futsal na quadra da família Guerrini. Pais de todos nós eram Seu Rubens e Dona Anésia – sábio casal. E a Antônia, então!? Criatura singela e trabalhadeira, um ícone de alegria e entusiasmo nas minhas melhores lembranças afetivas. Se era para sorrir, pronto: lá estava a Antônia.

A Rua Ipiranga terminava logo ali, um pouco antes donde veio a funcionar o Sesc, um profícuo benefício comunitário para os piracicabanos. E por ali brincávamos de pipa; pingue-pongue; pega-pega; peão; esconde-esconde; bola-de-gude; amarelinha; pula-corda; bicicleta; carrinho-de-rolimã; jogo-de-botão; perna-de-pau; rouba-monte; banco imobiliário; etc. e tais.

Épicos e excitantes eram os preparativos para as nossas românticas brincadeiras-dançantes. Frutas a gente comia do pé no casario em redor; era só pular os muros – todo o mundo se conhecia. Aos sábados íamos às missas. Aos domingos de manhã frequentávamos o Movimento Jovem no Dom Bosco. Essa ciranda-de-roda toda fundamentou o que somos, lapidou nossas índoles. A essencial sinergia do Amor Divino pudemos viver em comunhão.

Nessa era de pandemias, pego-me aqui juntando letras na tentativa de expressar a minha gratidão por ser parte dessa trupe do bem. Naquele tempo as redes sociais eram reais. Tinha cadeira na calçada e rede na varanda; prosas das boas e poluição zero.

Mas o tal do progresso nos engoliu e cada um tomou o seu rumo. Escolhas feitas ou não, o fato é que a água começou a bater em nossos bumbuns e tivemos de aprender a nadar – aliás, sempre enxerguei a natação como o mais completo e solitário dos esportes.

Bem! Idiossincrasias à parte, penso hoje que o que sabemos e construímos não nos faz melhores e nem piores. Navegamos na mesma nau nesse caos Terrestre. Confesso que o meu bom saudosismo me diz que teria sido melhor (sou desertor, eu sei) se tivéssemos montado um ‘forte apache’ a nos defender dos ataques do tempo contra o aquele doce relicário que ora denominamos ‘Ipiranga dos Sonhos’.

_PAULO DE TARSO PORRELLI