O então 11 285.2275 não parava de tocar. A sempre útil e atenta linha denominada “Jovem Pan Serviços”, uma das sábias invenções do maior mestre do jornalismo do rádio brasileiro de todos os tempos, Fernando Vieira de Mello, era a menina dos olhos da pauta da casa – um canal incessante e ininterrupto que servia, antes de tudo, como alento aos ouvintes.
Estávamos nos obscuros dias subsequentes à aterrorizante sexta-feira, 16 de março de 1990, quando o Plano Collor confiscou a poupança e saqueou o Brasil, que mergulhou na hiperinflação; para desespero geral dos brasileiros de bem – a maioria de nós. Nem vale a pena aqui descrevermos os detalhes sórdidos daquele fiasco; período dos mais massacrantes à economia nacional.
Saio eletrizado de uma das reuniões de pauta matutinas, com a missão de radiografar o andamento da venda de carros usados na “boca”, no centro histórico de São Paulo. O Marcelo Parada havia me lançado o desafio. Sorte minha e para meu amparo ao volante estava escalado o lendário Paulo Caveira. Desconheço até hoje alguém mais competente na direção a me conduzir pelas ruas da capital paulista. O nosso querido Paulo Caveira não manja somente de dirigir carros. Prudente, conhece as armadilhas da metrópole e vive ligado em todos e em tudo. Caveira, é bom que saibam, revelou-se a mim um pauteiro nato. Homem generoso, foi ele proseando comigo percurso adentro. É óbvio que percebeu de cara a minha apreensão de repórter caipira e novato na capital. Todos em meu redor na Jovem Pan eram meus ídolos. E, confesso, ainda são. Muitos deles agora brilhando noutras emissoras. Alegria foi rever vários desses grandes profissionais no “Arraia do Miltão”, o épico encontro que o Milton Neves realizou em seu lar no último 10 de junho.
Muito bem. A sensação que tomou conta de nós era fantasma, conforme cruzávamos as ruas daquele tipo de comércio. Nas conversas com os vendedores a reclamação era geral. E a constatação não menos real. Tudo parado.
Nesse vaivém atrás de uma boa história eu já havia colhido algumas sonoras. Como diz outro Titã, o Clóvis Rossi: “jornalistas têm de desenvolver os quatro verbos-pilares: ver, ouvir, ler e contar”. Mas nada consistente havia surgido até aquela hora que justificasse a nossa incursão.
Entramos na Alameda Barão de Limeira, pouco antes da Folha de S. Paulo, e o Paulo Caveira, de repente, deu marcha à ré e me mostrou, com o seu olhar de águia, uma loja sendo reformada. Naquela crise, o que levara o proprietário àquele investimento?
Paramos o carro em frente ao estabelecimento. Descemos e no chão havia uma placa nova, prestes a ser afixada na fachada, com a inscrição “Aqui em breve peixaria”. Puxa vida, vender peixes na ‘meca’ dos carros usados? Pronto! Tínhamos a matéria.
Liguei para o Antônio Campos na chefia de reportagem. Voltamos ligeiros à redação. O Marcelo Parada editou comigo. Saiu no “A Hora da Verdade” daquele dia e no dia seguinte no “Jornal da Manhã”. “O ‘boqueiro’ que virou peixeiro” foi pauta de telejornais e matutinos da imprensa paulistana.
Espírito de equipe é assim. Muito obrigado, Paulo Caveira.