No topo da antena

Foto: Carol Castilho

Manhã cinza e fria, ideal a manhas e preguiças caseiras. Deu vontade de ficar sob o cobertor enroscado no meu amor. Mas, acostumados a pular cedo rumo ao batente, embora fosse domingo, descemos a degustar café com bolinho de chuva. Com a casa limpa, demo-nos de presente momentos de ‘ócio criativo’, lembrando aqui do livro do sociólogo italiano Domenico de Masi. Fomos à sala e ligamos a tevê, para saber das novas sobre a ‘divina comédia humana ‘- os tempos ora Dantescos, não é para menos, são de manifestos por todas as partes do mundo.

Como as cenas jornalísticas se repetiam no boletim de hora cheia, atentamo-nos, mesmo, foi a um filme dum canal a cabo. Na telinha: The Bucket List; a belíssima película com os protagonistas Jack Nicholson e Morgan Freeman, cujo nome brasileiro é Antes de Partir. Não viu? Por favor, veja!

Num breve intervalo, pela varanda, avistei, todo pimpão, um pássaro multicor de bico vermelho. Impressionou-me a serenidade daquela ave feliz se banhando na cascata do céu de nuvens encorpadas, que se desmanchavam a regar a terra depois de longa estiagem.

Enquanto massageava os delicados pés da minha esposa, deitada no sofá, eu refletia sobre a semiótica dos personagens, num traçado paralelo com aquela ave estática sobre a antena no telhado da casa ao lado. Da trilha sonora da obra cinematográfica, a linda canção do músico inglês John Mayer, sugerindo evitarmos retesar sentimentos e dizermos sempre tudo o que a gente tem de dizer – Say what you need to say, no original da letra.

E o nosso amigo colorido de asas seguia pousado em plenitude, no seu pequenino e silencioso corpo voador, na ponta daquele receptor de imagens e sons. Parecia querer interceptar as ondas da televisão, para fazer-se ver e ouvir, na contramão dos protestos que alertam e assustam; nação afora.

A imagem passeriforme trouxe-me também à memória “Um Grito Parado no Ar”, obra épica do teatro de resistência do saudoso ator, diretor, dramaturgo e poeta ‘ítalo-brasileiro’ Gianfrancesco Guarnieri, levada aos palcos a partir dos obscuros anos de chumbo da década de 1970.

Em meus pensamentos uma profusão de sentimentos, recordações e esperanças… Olho para minha companheira e, de seus olhos, recebo o ininterrupto fluxo de feixes de amor a me untar de paixão e cumplicidade. Do conteúdo do script de “Antes de Partir” me chegam mensagens de fé; resiliência e a certeza de que, ante a efemeridade da vida, devemos desfrutar com sabedoria e alegria a beleza do aqui e agora.

Através da sacada observo estratificado o pássaro a me entreolhar e assoviar: “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. E depois desse canto lusitano de Fernando Pessoa, nos coube abrir um tinto seco alentejano… Foi quando passamos a cozinhar e prosear sobre as delícias de nós.

_PAULO DE TARSO PORRELLI